Tempo Real

sábado, 20 de agosto de 2011

A Copa do Mundo já tem seus derrotados

Por GUILHERME BOULOS*

As primeiras reações à escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo 2014 foram de festa.

De certo modo justificada: depois de mais de 60 anos, o país que tem o futebol como uma marca de cultura popular, com centenas de milhares de campos de várzea espalhados por todos os cantos, poderia voltar a ver de perto o maior evento futebolístico do planeta.

O menino da favela poderia, quem sabe, ir ao estádio ver seus maiores ídolos, que costumam se exibir apenas nos campos europeus. Um sonho…

Que não tardou muito em gerar desilusão.

De início, apareceu o incômodo problema de quem iria pagar a conta.

E veio a resposta, ainda mais incômoda, de que 98,5% do gordo orçamento do evento seriam financiados com dinheiro público, segundo estudo do TCU.

Boa parte do BNDES, é verdade.

Mas o capital do BNDES é alimentado pelo Orçamento Geral da União, portanto, dinheiro público, apesar dos malabarismos explicativos do Ministro dos Esportes.

Dinheiro que deveria ser investido no SUS, na educação, em habitação popular e tantos outros gargalos mais urgentes do país.

A questão torna-se ainda mais grave quando, motivado pelo argumento do tempo curto até 2014, o controle público dos gastos corre sério risco.

A FIFA impõe contratos milionários com patrocinadores privados. E o presidente do todo-poderoso Comitê Local é ninguém menos que Ricardo Teixeira, que dispensa comentários quanto à lisura e honestidade no trato com dinheiro.

Estes temas têm sido amplamente tratados pela grande imprensa.

No entanto, há uma outra dimensão do problema, infelizmente pouco abordada. E não menos grave.

Trata-se das consequências profundamente excludentes dos investimentos da Copa nas 12 cidades que a abrigarão.

Três anos antes da bola rolar, esta Copa já definiu os perdedores. E serão muitos, centenas de milhares de famílias afetadas direta ou indiretamente pelas obras.

Somente com despejos e remoções forçadas já há um número de 70 mil famílias afetadas, segundo dossiê de março deste ano produzido pela Relatora do Direito à Moradia na ONU, Raquel Rolnik.

E estes dados foram obtidos unicamente através de denúncias de comunidades e movimentos populares.

O que significa que os números tendem a ser muito maiores.

A Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos solicitou a representantes governamentais do Conselho das Cidades um dado estimado de famílias despejadas e recebeu a resposta de que este levantamento não existe. O Portal da Transparência para a Copa 2014 tampouco fornece qualquer informação. Há uma verdadeira caixa-preta entorno dos números.

Isso facilita que qualquer processo de remoção receba o carimbo da Copa e, deste modo, seja conduzido em regime de urgência, sem negociação com a comunidade e passando por cima dos direitos mais elementares.

E, o que é pior, na maioria dos casos não há qualquer alternativa para as famílias despejadas. Quando há, são jogadas em conjuntos habitacionais de regiões mais periféricas, com infra-estrutura precária e ausência de serviços públicos.

Não é demais lembrar que, na África do Sul, milhares de famílias continuam hoje vivendo em alojamentos após terem sido removidas para a realização da Copa 2010.

Quem sorri de orelha a orelha é o capital imobiliário.

As grandes empreiteiras e, principalmente, os especuladores de terra urbana se impõem como os grandes vitoriosos. Nunca ganharam tanto.

Levantamento recente do Creci-SP mostra que em 2010 houve uma valorização de até 187% de imóveis usados em São Paulo e um aumento de até 146% no valor dos aluguéis. A rentabilidade do investimento imobiliário superou a maior parte das aplicações financeiras Para este segmento a Copa é um grande negócio.

Quem perde com isso é a maior parte do povo brasileiro. O trabalhador que ainda podia pagar aluguel num bairro mais central é atirado para as periferias. E mesmo nas periferias, os moradores são atirados para cidades mais distantes das regiões metropolitanas.

As obras da Copa desempenham um papel chave neste processo de segregação. O exemplo de Itaquera não deixa dúvidas: os preços de compra e aluguel dos imóveis dobraram após o anúncio da construção do estádio. Aliás, não se trata de um fenômeno apenas nacional: as Olimpíadas de Barcelona (1992), por exemplo, foram precedidas de um aumento de 130% no valor dos imóveis; em Seul (1988) 15% da população sofreu remoções. A conta costuma ficar para os mais pobres.

Isso quando não se paga com a liberdade ou a vida. Na África do Sul, durante a Copa 2010, foi criada por exigência da FIFA uma legislação de exceção, com tribunais sumários para julgar e condenar qualquer transgressão. O Pan do Rio foi precedido de um massacre no Morro do Alemão, com dezenas de mortos pela polícia, supostamente “traficantes”. Despejos arbitrários, repressão ao trabalho informal, manter os favelados na favela e punir exemplarmente qualquer “subversão”, eis a receita para os mega-eventos. Receita que mistura perversamente lucros exorbitantes, gastos públicos escusos e exclusão social.

*Guilherme Boulos, membro da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), militante da Resistência Urbana – Frente Nacional de Movimentos e da CSP Conlutas (Central Sindical e Popular).

A culpa é sempre do patrocinador…

Torben Grael, maior medalhista olímpico da história do país, abriu mão de tentar a vaga nos Jogos de Londres, no ano que vem, por falta de patrocínio. A notícia veio à tona na última semana, e levantou aquela velha discussão do “absurdo” que é um campeão olímpico não ter apoio para competir numa Olimpíada.

Mas será que a culpa é sempre do patrocinador?

Nesta quinta-feira, Torben Grael divulgou um comunicado à imprensa afirmando que não tem patrocinador para tentar o projeto olímpico, mas que continua a ser muito bem patrocinado pela Mitsubishi para competir na Vela Ocêanica.

“A esta altura, dificilmente vou tentar uma vaga para os jogos de Londres devido, principalmente, à falta de patrocínio exclusivo para uma campanha olímpica. Já na vela de Oceano, tenho o apoio e um excelente patrocínio da Mitsubishi Motors do Brasil, onde velejo na classe Soto 40, barco idealizado pelo empresário e velejador Eduardo de Souza Ramos”.

Essa foi a frase que Torben teve de colocar no comunicado, tentando reparar a crise causada com seu patrocinador, que já investe nele e, muito provavelmente, sentiu-se menosprezado ao ver tantas matérias falando que o grande campeão do país não tem apoio.

Invariavelmente a mídia crucifica a “falta de patrocínio”, considerada a grande mazela para que atletas vitoriosos como Torben não consigam galgar sonhos mais altos no esporte. Mas por que a culpa sempre é do patrocinador? Como costumo dizer por aqui, patrocínio não pode ser confundido com caridade. Para uma empresa dispender dinheiro num projeto, ele tem de trazer retorno.

Fica ainda pior quando o atleta reclama da falta de patrocínio e coloca esse fator como o maior responsável para ele não conseguir cumprir seus objetivos. Esse tipo de atitude só prejudica a imagem do esportista e faz com que o patrocinador, naturalmente, não veja nesse atleta ou nessa instituição um bom produto para colocar seu dinheiro.

Nem sempre o problema está na falta de visão do patrocinador. Diria que, na maioria das vezes, o problema está no próprio patrocinado, que não consegue mostrar para a empresa o retorno que ele pode trazer.

Ser o melhor não basta, é preciso representar também o melhor negócio para quem vai investir. Isso dá muito mais trabalho do que competir. No fim, é muito fácil colocar a culpa no patrocinador. Ou na ausência dele…